Machismo e Publicidade: o bonde da história

Machismo e Publicidade: o bonde da história

Os últimos dias não tem sido fáceis para as mulheres. Na quarta passada, depois da estreia do Masterchef Junior, a internet foi recheada de comentários nojentos sobre uma participante de 12 anos (mais sobre essa história aqui). O caso tomou uma proporção tão grande que não só tomou a mídia como ainda motivou um pronunciamento da única chef mulher do programa, Paola Carosella. Mas como a internet é linda, o site Think Olga lançou a hashtag #primeiroassédio e milhares de mulheres se pronunciaram sobre essa situação tão comum pra nós. E, claro, junto com qualquer onda feminista, vem o chorume de parte da população masculina, e barbaridades foram ditas às mulheres que participaram dessa corrente de apoio à mini-chef.

Pula pro final de semana. A prova do ENEM desse ano trouxe como tema da redação: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Até aí tudo bem pra qualquer pessoa sensata, mas teve quem achasse um absurdo a abordagem de um assunto como esse em ano de crise e escândalos políticos. Absurdo pra quem, cara pálida? A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil, e basta uma busca rápida no Google pra você encontrar muitas outras informações aterrorizantes.

Mas tudo isso qualquer um que tenha se conectado nos últimos 10 dias sabe. O que nem todo mundo percebe é que a violência contra a mulher é algo que vai muito além do estupro e da violência física propriamente dita. Então não vamos nos prender a ela por aqui. Vamos ousar e supor que todo mundo concorda que isso é feio, errado, e deve ser punido, ok? Ok.

Em um momento como esse, em que todos os olhares se voltam para as mulheres, principalmente para as que já possuem um posicionamento feminista prévio, calar é consentir. Ficar calado sobre assédios no dia-a-dia, em relacionamentos e, porque não, no nosso ambiente de trabalho, é consentir.

Sim, esse é um texto publicado pelo perfil de uma agência de publicidade e vamos falar sobre isso.
Agências são ambientes historicamente machistas e atire a primeira pedra a mulher que nunca ouviu pérolas como:

  • Tá de TPM?
  • Dormiu de calça jeans?
  • Estão menstruando juntas?
  • Você leva tudo muito a sério!
  • Tá ficando doida?!
  • Eu entendi o que você quis dizer, mas o certo é ISSO.
  • Você está exagerando!

(Esses últimos exemplos se encaixam bem em quatro tipos de machismo quase sempre invisíveis: mansplaining, manterrupting, bropriating e gaslighting. Não sabe o que é? O Think Olga explica bem esses conceitos.)

Você tem um colega que faz essas coisas, mas você acha que ele faz isso com todo mundo, independente do gênero? Experimenta observá-lo na próxima reunião, no próximo bate papo no almoço. Repara se ele faz isso com os homens com a mesma desenvoltura e malemolência que ele faz com as mulheres. Você vai se surpreender.

Mas é sempre bom lembrar que o buraco é mais embaixo, porque nos próprios setores de uma agência fica claro o machismo latente:

  • no atendimento, mulheres (e porque será que são justamente elas o elo responsável pelo contato com o cliente?)
  • na criação, homens (e não são poucos os casos de mulheres diretoras de arte e redatoras que perdem o gosto pela profissão por se sentirem excluídas do clube do bolinha.)

Claro que isso não representa 100% dos casos, mas vai negar que normalmente é assim? Faz as contas agora. Vê quantas pessoas trabalham na sua agência, quantos homens trabalham em cargos criativos e quantas mulheres trabalham em contato direto com os clientes — seja em que cargo for. E de quem é a culpa por essa realidade?

Vai negar que na própria faculdade de publicidade não existe um direcionamento “natural” para que as meninas foquem em vagas de atendimento e meninos em vagas mais relacionadas à criação?

Volta pro jardim de infância: enquanto você, menina, fazia aniversário e ganhava bonecas e conjuntos de cozinha; você, menino, ganhava carrinhos e kits de médico. E se você, menina, tinha talento pra desenhar, certamente pouca gente reparou nisso, ou relacionou essa aptidão a alguma profissão.

E no colégio, colega, escrever era a sua praia? Então com certeza te recomendaram cursar jornalismo — você poderia ser a próxima Fátima Bernardes! Mas trabalhar com redação publicitária? Néh. E quando você já estava na faculdade, atire a primeira pedra a menina que nunca ouviu que deveria se arrumar mais “agora que estava acabando o curso”, usar um look executiva talvez. Por que isso?

Mas vamos acelerar de volta para a #vidadeagência. As agências tem poucos criativos mulheres porque há poucas mulheres trabalhando com criação? Ou as mulheres tendem a não focar na criação porque sabem que é um ambiente machista dominado pelos homens?

Será por isso que, em pleno 2015, a gente ainda vê tanta propaganda incrivelmente machista por aí?

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Propagandas de todos os cantos do país, vindas das mais diversas agências e que pisaram na bola. E vão continuar pisando, ninguém está isento.

Mas a publicidade está evoluindo? Com certeza. Talvez a passos até mais rápidos que outros segmentos, já que as reações da sociedade são cada vez maiores. Tem gente reclamando de alguma propaganda todo dia, em todas as redes sociais. Essas pessoas estão erradas? Claro que não.

Cabe às agências entenderem essa nova realidade e se adequarem. Se não evoluírem porque é o certo, que evoluam porque a sociedade exige isso delas. Enquanto isso, peças intrinsecamente machistas vão continuar surgindo até que a balança se equilibre entre os setores das agências.

E se você não consegue entender porque qualquer uma dessas peças é hoje encarada como machista, corre pra pegar o bonde da história que ainda dá tempo!

Texto originalmente publicado no medium da Yayá Comunicação Integrada.

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